quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

As traças - António Torrado

Vai chegar o Inverno.
Vamos tirar os casacos do guarda-fato...

Eram duas traças. Tinham ido parar ao meu sobretudo guardado no Verão, para voltar a servir no Inverno.
As duas traças não me conheciam de parte alguma. Por isso não podiam pedir-me autorização para se servirem, à maneira delas, do meu sobretudo. Naquele guarda-vestidos havia mais roupa pendurada, mas o sobretudo azul-escuro, de lã macia, era o que mais lhe convinha.
quando, chegado o Inverno, dei com dois buracos na lapela do meu sobretudo, barafustei:
- Malditas traças! Não há naftalina que as detenha.
Talvez estas traças estivessem constipadas ou a naftalina que eu tinha espalhado pelos bolsos do sobretudo fosse de má qualidade? Talvez estas traças não respeitassem nada nem ninguém, nem sequer senhores de sobretudo ou sobretudos sem senhores?
- Logo na lapela, tão à vista de todoa a gente. Podiam antes ter traçado o forro ou as abas, atrás. Assim, inutilizaram-me o sobretudo. Não tem remédio.
Devia haver uma maneira de avisar as traças a não roerem lapelas, golas e peitilhos de casacos e sobretudos. Talvez mudassem de hábitos.
Eu, neste Inverno, particularmente frio, tenho andado de sobretudo, o azul-escuro de lã macia, o traçado? Mas com uma particularidade: sempre com uma flor na lapela.
É para tapar os buracos feitos pelas traças. Os meus amigos não sabem e dizem-me que ando com um ar festivo.
- Andas tão alegre, neste Inverno - comentam
Se eles soubessem?

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